Lenda de Santa Iria
Santa Iria foi Portuguesa, como é notório, e natural do Lugar da Torre, Freguesia do Reguengo, deste Bispado, como nele, e particularmente na dita Freguesia, é tradição antiquíssima e constante. Nascida de pais nobres, ricos e católicos, chamados Hermígio e Eugénia, e conforme a mesma tradição, nas suas mesmas casas se fez a Ermida da Santa (posto que Escovar, no Livro dos Arcebispos de Lisboa, segue o contrário). Criou-
Saindo ela um dia de S. Pedro à Igreja do Santo, a viu Britaldo, Filho que era de Castinaldo, Senhor que era da dita Vila. O qual, de modo se afeiçoou à sua rara formosura, que veio, apertado do fogo de amor, a cair enfermo por lhe não dar lugar a grande honestidade da Santa a se lhe poder descobrir sua afeição; com o que chegou ao extremo da vida, por lhe não poderem aplicar os médicos os remédios convenientes a enfermidade que não conheciam. O qual estado de Britaldo revelou Deus à Santa que, confiada na Divina Graça e levada do Espírito do Céu e caridade do próximo, o foi visitar, com o recato e companhia devida à sua modéstia e profissão. Tratou logo de o desenganar de suas pertenças; e ele se satisfez com ela lhe prometer que jamais se afeiçoaria nem casaria com outro que não fosse ele; o que a Santa prometeu com grande vontade, como quem tinha o seu amor posto em Deus. Deixou-
Intentou o Abade, e os mais que com ele iam, tirar do sepulcro o corpo da Virgem mas, por mais força que para isso fizeram, o não puderam mover; pelo que, persuadidos que, era vontade de Deus que ali ficasse, se recolheram e levaram alguns de seus cabelos e parte da camisa como preciosas relíquias que puseram no Mosteiro de Célio, que é hoje de religiosos de S. Francisco, intitulado de Santa Eira, na mesma Vila de Tomar; as quais relíquias foram remédio a muitos cegos, aleijados e a outros enfermos em que tocaram. Apartada a procissão do sepulcro, tomou o rio o seu antigo curso.
Muitos anos depois, querendo a Rainha Santa Isabel, mulher de El-
Foi este martírio da Santa no ano de 653, em os 20 dias do mês de Outubro, e neste dia o traz o Martirológico; dela trata Vaseu, na Crónica de Espanha, e o Flos Sanctorum, espanhol, e, mais copiosamente, Andrade Resende (26), no Breviário Eborense, e o padre Escovar, no Livro dos Arcebispos de Lisboa, de quem é quase tudo o acima dito, e outros que ele cita.
No tempo do martírio desta Santa era Sumo Pontífice Martinho, primeiro do nome; Imperador Romano, Constante 2.º, e reinava na Lusitania El-
Duram ainda por testemunhas deste martírio, segundo o dito Escovar, umas pedras e seixos que se acham no dito lugar em que foi lançado seu corpo, com nódoas de sangue tão vermelho e fresco que parece haver pouco tempo que ali se derramou, havendo 1300 (27) anos que foi o seu martírio.
Excerto do Livro:
"Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria"
(Transcrição da 2.ª edição de 1898)